PROPRIEDADE VS TOKENIZAÇÃO

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O conceito tradicional de propriedade está previsto no Código Civil, em seu artigo 1.228, e diz que “o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.”


Dessa forma, o proprietário é aquele que pode possuir, usar e valer-se dos direitos atrelados a determinado bem.


Além disso também está previsto na legislação pátria a espécie de multipropriedade, disposta no art. 1358-C, da Lei nº 13.777/2018, na qual diz que “Multipropriedade é o regime de condomínio em que cada um dos proprietários de um mesmo imóvel é titular de uma fração de tempo, à qual corresponde a faculdade de uso e gozo, com exclusividade, da totalidade do imóvel, a ser exercida pelos proprietários de forma alternada.”


Nesse caso, existem vários proprietários de um mesmo bem, os quais podem dispor do bem em períodos alternados e predeterminados. Assim, pode-se concluir que o conceito de propriedade foi suavizado, ou até mesmo relativizado, tendo em vista que mais de um proprietário pode usar e gozar de um mesmo bem, isto é, são vários proprietários da integralidade de uma mesma propriedade.
Por sua vez, a tokenização é fracionar a propriedade em pequenas parcelas que representam as frações deste bem (tokens). Trata-se de uma espécie de token, denominado Utility Token, ou seja, criptomoedas que possuem utilidade.


Nessa modalidade de Utility Token, ao adquiri-lo, o usuário possui um ativo que representa um pedaço de determinada propriedade. A problemática se encontra no fato de que a posse e propriedade do Utility Token (fração da propriedade) não se enquadra em previsões legais, pois na propriedade tradicional e na multipropriedade o proprietário é dono da integralidade do bem.


Portanto, falta na esfera legal mandamentos e regularização a respeito da propriedade quando da aquisição de tokens em tokenização de propriedade, ainda, no que tange o exercício ou a faculdade de uso desta, bem como direitos de preferência e demais direitos utilizados em outras modalidades de aquisição.


Vale salientar que é comum no mercado cripto, ainda que sem previsão legal, que os “direitos”, diga-se, por hora, assim, que recaem sobre os Utility Token são os de alienar, doar, trocá-los por serviços, benefícios, moedas de Estados Soberanos e até mesmo pela integralidade da propriedade e até mesmo dá-los em garantia.


Outrossim, na tokenização de bens, o bem não perde suas características e não perde o seu valor, embora este seja fracionado em ativos que representam parcelas da integralidade da propriedade.
Afinal, a motivação da tokenização está na facilidade de aquisição de parcelas da propriedade e que um determinado momento os Utility Token adquiridos pelo usuário pode valer a integralidade da propriedade. Neste momento a propriedade é transferida ao usuário.


Na mesma seara da facilidade e agilidade, ressalta-se que a aquisição de Utility Token independe de terceiros validadores a fim de se confirmar a segurança das transações haja vista que a tokenização somente é possível por meio da tecnologia blockchain.


Ante essas exposições, tem-se a conclusão: o conceito de propriedade foi relativizado e suavizado pela inovação da multipropriedade em condomínio, modalidade na qual há vários proprietários de uma mesma propriedade, que podem usar e gozar como donos, portanto, demonstra que a legislação está a um passo de se adaptar para definir as regras a respeito de proprietários de frações do bem, isto é, adquirentes de Utility Token.


Se é possível que várias pessoas usem e desfrutem de um mesmo bem, este bem pode ser fracionado e adquirido por mais pessoas.


REGISTRO E TOKENIZAÇÃO


Atualmente para que determinadas ações, como é o caso do registro de imóveis, dependem de validação de cartórios extrajudiciais, que declaram a existência de direito, bem como a eficácia jurídica do ato, seja para venda, troca, doação, investimento ou tokenização.


Neste sentido se entende que os Utility Token podem ser lançados e listados oferecendo ativos que representam parcelas de propriedades, estas quais possuem sua eficácia, existência e validade determinadas em escrituras públicas. Portando, é possível a tokenização de bens, sejam imóveis ou móveis, como o caso de apartamentos, prédios, casas e até mesmo a tokenização de créditos e precatórios.


No caso de Utility Token que viabilizem a construção de imóveis, estes podem ser trocados pela integralidade do imóvel quando o proprietário dos Utility Token possui a quantidade suficiente de criptomoedas que equivalham ao valor total do imóvel que desejar trocar. Ao passo que o usuário troca os Utility Token pelo valor integral do imóvel, passa a ter o direito de propriedade sobre este imóvel, podendo validar a propriedade com a escritura pública em cartório de imóveis.


Esta modalidade se assemelha ao financiamento, com algumas diferenças substantivas, senão se veja:


No financiamento comum, há a alienação fiduciária, na qual a instituição financeira paga o valor integral do imóvel para o vendedor e o (promitente) comprador pagará o valor do imóvel para a instituição financeira, em parcelas que, geralmente, possuem altos juros, além da complexidade de se adquirir crédito para a instituição financiar o imóvel, por fim, no financiamento, o comprador tem dia e valor certo para cumprir com as prestações.


Já na tokenização, o imóvel tokenizado é fracionado e listado nas exchanges, de modo que os investidores podem adquirir os Utility Token que representam frações do imóvel. Neste caso, os investidores podem adquirir, eventualmente, os Utility Token, sem data e valor predeterminados, sem complicações, com facilidade e agilidade, valendo-se da segurança e validação da tecnologia blockchain.


Assim, conclui-se que a tokenização é a saída para falta de liquidez do mercado imobiliário, uma vez que a descentralização da blockchain conecta diretamente o investidor com o investimento, sem terceiros, evitando gastos desnecessários.


MODELOS
MB DIGITAL ASSETS


Trata-se da tokenização de dívida pública, denominada precatório. O precatório foi fracionado em unidades de Utility Token, que foram listados nas exchanges, assim os investidores podem adquirir os Utility Token, trocá-los por outros Utility Token ou até mesmo por frações da dívida pública.


MODELO UTCD (UNIDADE DE TRANSFERIR DIREITO DE CONSTRUIR)


Unidade de valor que representa a capacidade de construção que há dentro de determinado imóvel, ou seja, áreas que podem ser utilizadas para construir possem determinado valor.


ALT.ESTATE


Nos EUA, o site alt.estate permite que proprietários vendam seus imóveis dentro do site, ainda, os imóveis podem ser fracionados e estes pedações de imóveis são oferecidos á investidores.


RISCOS JURÍDICOS


A princípio, na tokenização não pode haver a captação de recursos e esforços, bem como a gestão de terceiros, pois, segundo entendimento da CVM, tal modalidade se enquadra em CIC (Contrato de Investimento Coletivo), portanto, seria valor mobiliário.


Outro ponto a destacar é o fato de que não pode haver a promessa de ganhos e nem a promessa de rentabilidade sobre o imóvel, pois tal conduta tipificaria valor mobiliário, entrando, assim, na esfera da CVM.


Enfim, pode ser vista como valor mobiliário porque, geralmente, há a promessa de lucro que será divido entre os investidores. Assim, para que o utility token, que representa fração da viabilidade de construir, não configure valor mobiliário, sobre este não pode haver a promessa de rendimentos, de ganhos ou de lucros.


À missão de elucidar, conforme previsto na Lei de Valores Mobiliários, entende-se por valor mobiliário: as ações, debêntures e os contratos de fundos de investimentos, ainda, seus emissores devem registrar-se na CVM, como também devem atender à legislação e regulamentação de valores mobiliários.

Por outro lado, os utility tokens não configuram valores mobiliários porquanto: (I) não estão previstos do art. 2º da Lei dos Valores Mobiliários; (II) a sua emissão e distribuição é realizada por empresas privadas, de forma descentralizada, por meio da tecnologia blockchain.


Outrossim, destaque-se o provimento da Corregedoria Geral de Justiça (CGJ) do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, na qual dispôs sobre a alienação de imóvel tendo por contrapartida ativos virtuais (Utility Token), e qual a viabilidade jurídica haveria para consolidar a transferência da propriedade em cartórios de imóveis.


Nesse lastro, a CGJ-TJRS decidiu que é possível que o Utility Token seja dado em contrapartida ao imóvel, desde que a propriedade digital não seja confundida com a propriedade formal, isso significa que o Utility Token não pode ser interpretado como o próprio imóvel, mas sim como uma ativo qualquer que contenha valor. Ainda, os Utility Token devem possuir valor equivalente à moeda soberana, Real.


À critério de explicação, diz-se que a propriedade digital representa frações do imóvel em ativos, estes ativos podem ser negociados no mercado cripto, trocados e alienados.

Já a propriedade formal é o direito de usar, fruir e gozar sobre a propriedade do imóvel, ou seja, a propriedade formal são os direitos reais do imóvel, sendo que a propriedade digital (contrato de token – smartcontract) não pode versar sobre esses direitos reais da propriedade material.


Assim, a corte não proibiu a tokenização, mas separou cada objeto em sua devida caixa, tornando-a possível, desde que as partes reconheçam, declaradamente, que os Utility Token representam apenas objeto de permuta, bem como a permuta de Utility Token pelo imóvel não exime o futuro proprietário de cumprir com suas obrigações tributárias e registrais.


No entanto, com a ausência de regulamentação geral pelo CNJ, não há de se falar em padrão nos registros pelo país.


Ainda na seara jurídica, explana-se que as transações realizadas dentro da tecnologia blockchain trazem maior segurança, haja vista que a aquisição dos Utility Token se dá por meio de smartcontracts, com cláusulas pré-definidas e imutáveis, que devem ser seguidas a rigor, assim validando a transação por meio da criptografia.

Escrito por

Dr. Luciano Felix

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